Ivonio Barros 65 anos de independência da RD Congo pelo olhar de uma congolesa A jornalista Claudine Shindany, do coletivo A Voz do Congo, compartilha um pouco da cultura, das riquezas naturais e dos desafios que enxerga em seu país. Mulheres congolesas deslocadas esperam para receber assistência monetária em Kivu do Norte, República Democrática do Congo — Blaise Sanyila/Acnur Alma Preta - 30 de junho de 2025 Por Claudine Shindany Kumbi* Neste 30 de junho, a República Democrática do Congo (RD Congo) completa 65 anos de independência da Bélgica, conquistada em 1960. Estamos felizes, afinal nosso país tem uma das maiores biodiversidades do planeta, reservas minerais estratégicas e uma cultura vibrante. Mas enfrentamos atualmente várias violações da lei, corrupção e conflitos armados. Essa realidade tem ameaçado há muitos anos o sonho de vida dos congoleses, com paz, boa governança e integridade territorial. O que mais se sabe sobre nosso país se refere à Guerra do Congo. Por isso, nesse dia de comemorações, quero compartilhar mais sobre suas dimensões, sua biodiversidade e sua diversidade cultural. Ou seja, mostrar que a RD Congo é mais que o conflito armado. Começando: meu país também é conhecido simplesmente como RDC, RD Congo ou, informalmente, como Congo-Kinshasa, em referência ao nome da capital. Ele fica na África Central e é o quarto país mais populoso do continente, com 105,8 milhões de habitantes (2003). Leia mais: Cobertura especial: a Alma Preta está na RD Congo; acompanhe Em extensão, tem uma área de 2,345 milhões de quilômetros quadrados e é a segunda maior nação, depois da Argélia. Seu regime político é um sistema semipresidencialista, atualmente liderado por Félix Antoine Tshisekedi Tshilombo, o 5º presidente. Uma joia da biodiversidade A República Democrática do Congo é uma joia da biodiversidade, mas seus frágeis recursos naturais exigem atenção especial e esforços constantes para protegê-los. O país se localiza no coração da Bacia do Congo e têm diversos ecossistemas, como densas florestas tropicais, savanas, planaltos e lagos. Nesse meio ambientes, ostenta uma flora e uma fauna excepcionalmente ricas e variadas. As florestas tropicais equatoriais cobrem 66% do território e abrigam uma grande diversidade de espécies vegetais, incluindo árvores preciosas como mogno, ébano, limba, wengué e iroko. Há também savanas localizadas em planaltos e jardins botânicos, tanto na capital, Kinshasa, quanto em outros estados. A riqueza desses ecossistemas é um paraíso para entomologistas (especialistas em estudos de insetos), já que eles abrigam milhares de espécies de borboletas e invertebrados aquáticos e terrestres. A Bacia do Congo tem mais de 1.000 espécies de peixes registradas. O país, como um todo, conta com aproximadamente 1100 espécies de aves (dentre as quais se destaca o famoso pavão congolês que estampa a bandeira), 350 espécies de répteis e mais de 200 de anfíbios. Sem contar as infinitas espécies de mamíferos, algumas raras , como o gorila-da-montanha, o gorila-das-terras-baixas, o bonobo (chimpanzé-pigmeu), o ocapi e o rinoceronte-branco-do-norte. Elefantes, búfalos, antílopes, macacos, chimpanzés, leopardos, hienas, chitas e muitos outros também são encontrados lá. Apesar dessa riqueza excepcional, a flora e a fauna da República Democrática do Congo estão ameaçadas pelo desmatamento, pela exploração madeireira predatória, pela caça ilegal e pelo tráfico de animais selvagens. Portanto, o país depende de esforços de conservação para preservar tamanha biodiversidade. Mas o atual governo parece estar comprometido em restaurar ecossistemas e implementar estratégias e planos nacionais para a proteção de sua flora e fauna. Riqueza mineral Os conflitos armados que colocam a República Democrática do Congo no noticiário estão diretamente ligados à mineração, principalmente no leste do país. Elencaremos suas riquezas: primeiro, o país 70% das reservas mundiais de cobalto, utilizadas na fabricação de veículos elétricos e em outros equipamentos eletrônicos; é o terceiro maior produtor de cobre, utilizado na fabricação de celulares, computadores, tablets e novas tecnologias; tem reservas de ouro e diamantes, além de outros minerais essenciais para a transição energética. No entanto, a gestão dessa riqueza mineral é frequentemente prejudicada por problemas de governança e conflitos. Sua exploração é, muitas vezes, artesanal e informal, e nem sempre beneficia a população local. O resultado final dessa combinação, além de corrupção e má governança, é o estupro de mulheres e meninas e o massacre de populações locais. Cultura educacional A cultura educacional do país é uma mistura complexa de influências tradicionais e modernas, marcada por desafios como falta de infraestrutura, baixa qualidade da educação e disparidades de gênero. Na RD Congo, a educação formal e informal coexistem. Na educação formal, existem níveis de ensino fundamental, médio, com cursos técnicos e educação profissional, e ensino superior, semelhante ao Brasil. Mas, embora agora seja considerada “gratuita e obrigatória” nos primeiros seis anos, enfrenta problemas de acesso e qualidade. Já a educação informal, transmitida pela família e pela comunidade, desempenha um papel importante no desenvolvimento individual. Aqui, valores e costumes são transmitidos aos mais jovens, como o respeito às “leis de costume”, o respeito aos mais velhos, a solidariedade, o senso de responsabilidade e o senso de vida comunitária. Atualmente, as medidas mais urgentes para melhorar a qualidade da educação seria aprimorar a infraestrutura das escolas, fornecer materiais adequados e combater as disparidades de gênero. Isso porque o número de matrículas de meninas ainda é menor que o de meninos, mesmo em um contexto em que as mulheres congolesas estão ocupando cargos importantes no país, incluindo o de primeira-ministra. A arte congolesa A arte congolesa abrange formas de arte visual, música, dança e literatura. Ela está profundamente enraizada nas tradições, crenças e valores sociais do país, incorporando também influências modernas. No caso da arte visual, existem esculturas, conhecidas por suas estatuetas culturais, máscaras e outros objetos rituais. Há também a tecelagem de ráfia, como os tecidos Kuba e tecidos emblemáticos. No campo do artesanato, há a produção de cerâmica, de joalheria e outras expressões artísticas. A dança congolesa mais conhecida se chama rumba, um tipo de música popular, mas também existem outras danças tradicionais, às vezes apresentadas em cerimônias culturais tradicionais. A literatura congolesa é marcada por contos, histórias, mitos, lendas e provérbios transmitidos de geração em geração. Há escritores contemporâneos que exploram temas sociais, econômicos, políticos e culturais utilizando uma variedade de formas e estilos. Culinária congolesa A cultura culinária congolesa tem base em produtos locais e especialidades regionais. O principal exemplo é a mandioca, um alimento básico do qual se faz farinha para fazer “fufu”(uma espécie de polenta) ou “chikwange” (pão de mandioca), que acompanham a maioria dos pratos. Arroz, inhames, batatas e bananas-da-terra são comuns, juntamente com vegetais com folhas de mandioca, peixe e carne. Há também diferentes tipos de bebidas e chás artesanais. O sabor dos pratos congoleses é caracterizado pelo uso de pimenta, gengibre, alho e óleo de palma. Esses ingredientes realçam pratos e técnicas tradicionais de cozimento, como cozimento a vapor, defumação e maceração, que variam de acordo com a região do país. As refeições costumam ser um momento de partilha familiar, convívio e confraternização. Cultura do vestuário A cultura congolesa de vestimentas refletem sua identidade, pertencimento a um grupo e as normas sociais de seu ambiente. Ela varia consideravelmente de uma cultura para outra, com roupas tradicionais, estilos contemporâneos e códigos de vestimenta específicos. A moda na RD Congo é um meio de expressão, comunicação e ativismo, em constante evolução em resposta a tendências e influências históricas, sociais e políticas. Cultura patrimonial/casamento O casamento na cultura congolesa é uma instituição complexa que se caracteriza por uma dupla dimensão: a aliança entre famílias (dote, cerimônia consuetudinária) e a união conjugal entre indivíduos. Há três tipos de casamento: o casamento consuetudinário (entre famílias, incluindo entrega do dote); o casamento civil (perante o Estado congolês); e o casamento religioso (que não é obrigatório). Todos eles, juntos, simbolizam o fortalecimento das relações entre as famílias e a sociedade. O casamento é legalmente reconhecido por um ato civil, mas a tradição desempenha um papel importante, particularmente nas cerimônias e na composição do dote. Os regimes matrimoniais, por sua vez, definem as relações patrimoniais dos cônjuges. Mais curiosidades? Essas foram algumas informações sobre a cultura e a riqueza do meu país. O que mais você gostaria de saber sobre a República Democrática do Congo? Escreva nos comentários. *Claudine Shindany Kumbi é jornalista e ativista de direitos humanos. Nascida na República Democrática do Congo, ela é imigrante no Brasil, trabalha como técnica de regularização migratória em São Paulo e integra o coletivo A Voz do Congo. Também é agente de cultura que ensina sobre a África através da culinária, brincadeiras, histórias, jogos e canções. Apoie jornalismo preto e livre! O funcionamento da nossa redação e a produção de conteúdos dependem do apoio de pessoas que acreditam no nosso trabalho. Boa parte da nossa renda é da arrecadação mensal de financiamento coletivo. Todo o dinheiro que entra é importante e nos ajuda a manter o pagamento da equipe e dos colaboradores em dia, a financiar os deslocamentos para as coberturas, a adquirir novos equipamentos e a sonhar com projetos maiores para um trabalho cada vez melhor. O resultado final é um jornalismo preto, livre e de qualidade. apoie Redação A Alma Preta é uma agência de notícias e comunicação especializada na temática étnico-racial no Brasil. fonte: https://almapreta.com.br/sessao/quilombo/65-anos-de-independencia-da-rd-congo-pelo-olhar-de-uma-congolesa/